O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), dificilmente sai dos trilhos quando o assunto é a sucessão presidencial em 2010. O tucano desembarca hoje no Recife para participar do lançamento do livro Daquilo que Eu Sei- Tancredo e a transição democrática, de autoria do ex-ministro da Justiça Fernando Lyra (leia texto na página A2). Em entrevista ao Diario na tarde do último sábado, por telefone, o neto de Tancredo Neves defendeu que o programa Bolsa Família precisa de "uma segunda etapa" e minimizou a provável debandada do partido Democratas para o palanque de José Serra, que disputa com ele a indicação do PSDB à vaga de candidato a presidente da República. Sem citar o nome do governador de São Paulo, Aécio Neves disse que seu partido deveria "andar pelo país nos próximos meses", qualquer que seja o candidato da legenda.
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O livro de Fernando Lyra relata uma página política do Brasil que o senhor
conheceu de perto. Qual é o legado dessa transição democrática?
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Nós temos a oportunidade de contar talvez com a mais complexa e bem sucedida articulação política já feita no Brasil em qualquer tempo, que foi a retomada da democracia. E Fernando
Lyra foi ator importante, até porque foi testemunha de momentos significativos dessa transição. Eu ainda não li o livro, mas certamente ele traz ali episódios que são importantes, sobretudo para que as novas gerações conheçam. Diferentemente do que ocorreu na maioria dos países da América Latina, a retomada de democracia no Brasil foi feita sem sangue, sem lutas, através da arte da política. Fernando nos permite lembrar que a política deve ser feita com menos rancor, menos radicalismo e com mais convergência. Acho que é uma contribuição, principalmente aos brasileiros que não viveram aquele tempo e que hoje são contemporâneos de um tempo de muito mais radicalização na política.
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Qual é a sua visão sobre o Nordeste brasileiro? Como a região se insere no seu projeto?
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O Brasil é carente de políticas definitivas de desenvolvimento regional. O Brasil são vários. E é preciso que haja essa compreensão. É preciso que haja planejamento, e principalmente - e aí é o que eu acho que falta -, descentralização na aplicação dos recursos. O Rui Barbosa lá atrás, na época da proclamação da República, dizia que era federalista antes de ser republicano. E falava também que o império ruiu não por ser império, mas por não ser federalista. O que eu quero dizer é que, hoje, no Brasil, nós vivemos praticamente num estado unitário, com uma concentração excessiva de poderes e de recursos nas mãos da União. Era preciso que houvesse uma política de refundação da federação do Brasil, e os estados e municípios passassem a ter mais autonomia e melhores condições de implementar políticas públicas. Eu acho que esse é o caminho do Brasil. Cito aqui apenas um exemplo: eu fui constituinte em 1988. Naquela época, a soma das contribuições, que são os recursos acumulados exclusivamente pela União, não repartidos pelos estados, representavam 10% da soma do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) com o imposto de renda, que são os recursos que compõem o fundo de participação dos estados e dos municípios. Hoje, a soma das contribuições representa mais de 100% do que se arrecada com imposto de renda e com IPI. Isso significa que o caixa do governo federal cresceu muito, inchou muito, em detrimento dos estados e dos municípios. E nada que se faça de forma centralizada é mais efetivo, é mais eficaz, do que aquilo que se faz de forma descentralizada. Então, eu acho que a primeira e mais importante sinalização que deveríamos dar para o futuro é a política de descentralização do recursos e maior autonomia dos estados e municípios.
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O que o senhor pensa sobre o programa Bolsa Família?
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O Bolsa Família, hoje, é um importante instrumento de distribuição de renda. O que falta, e a aí acho que essa deve ser a proposta fundamental do PSDB, é aporta de saída do Bolsa Família. Nós não devemos estar preocupados em, a cada ano, dizer que mais um milhão ou dois milhões de famílias estão participando do programa. O que nós temos é que, através de programas de capacitação profissional do governo federal, em parceria com as entidades de classe, federação de indústrias, reinserir parcelas de cidadãos que estão hoje no Bolsa Família no mercado produtivo, no mercado de trabalho. Acho que o que falta é a segunda etapa do Bolsa Família, porque eu acho que o Bolsa Família deve ser uma passagem. Não pode ser o fim de um projeto. Acho que ele é fundamental, não será extinto, mas é preciso que haja um grande esforço de capacitação dessas famílias para que elas possam ser inseridas no mercado de trabalho em razão das potencialidades de cada uma das regiões brasileiras. Preparar mão de obra para o agronegócio onde ele existir, para setores industriais# Enfim, uma capacitação para mercados com potencialidade em cada uma das regiões brasileiras.
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Já existem alguns movimentos dos partidos de oposição para apoiar a pré-candidatura de José Serra para presidente em 2010. O último deles foi o apoio velado do partido Democratas ao governador de São Paulo. O que o senhor acha disso?
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O que é importante é que o Democratas tem conosco uma parceria já consolidada. Será realmente um parceiro em 2010, assim como o PPS. Esse é o núcleo hoje da oposição no Brasil. E tanto o Democratas quanto o PPS, de forma muito adequada, têm reiterado que a decisão sobre a candidatura caberá ao PSDB. É natural haver diferenças de um lado e de outro. Ontem mesmo (sexta-feira) eu tive uma longa conversa com o presidente do Democratas (deputado Rodrigo Maia) e com o governador do Distrito Federal (José Roberto Arruda), que reiteraram isso, que caberá ao PSDB indicar o candidato. O que eu quero buscar é a ampliação dessa aliança. Acho que existem setores políticos que hoje estão na base de sustentação do presidente Lula, mas que podem eventualmente estar conosco no projeto pós-Lula, no projeto de 2010. Quem sabe na construção de uma nova e ampla aliança política, que fale para o Brasil do futuro, sem rancor, sem radicalismo, que apresente propostas. Quando eu falo de prévias, quando eu falo dessas visitas pelo país, eu falo principalmente da discussão de propostas para 2010, que incluam, por exemplo, novas políticas de desenvolvimento regional, em especial para o Nordeste - você sabe que uma parte de Minas é Nordeste. Que falem da boa qualidade da gestão pública como instrumento de desenvolvimento social. Esse é um tema muito árido para o governo, que, infelizmente, no tempo da bonança, no tempo do crescimento econômico, gastou de forma demasiada, sem critérios, e agora sofre as consequencias disso nos momentos de crise. Temos que falar de programas de reinserção dos cidadãos brasileiros. Então eu acho que o PSDB precisa andar pelo país nos próximos meses, construindo algumas bandeiras que vão conduzir a candidatura do partido, qualquer que seja ela, em 2010.
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Existe um 'namoro' entre o senhor e o PMDB? Osenhor defende abertura de uma janela partidária permitindo a troca de partido antes da próxima eleição?
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Esse é um tema que o Congresso terá que definir. O que eu quero é ampliar essa aliança que existe entre o Democratas, o PPS e o PSDB para, quem sabe, incluir o próprio PSB do governador Eduardo Campos, que em Minas participa do nosso governo. Lá, em parceria, nós elegemos o prefeito de Belo Horizonte (Márcio Lacerda), que é filiado ao PSB. Eu acho que setores do PMDB podem fazer parte desse projeto. O que eu defendo é que alguns temas da reforma política, como a lista partidária, possam ser votados ainda antes das eleições de 2010. Essa questão da janela é irrelevante no meu caso pessoal. Não é algo que me preocupa. O que eu vou buscar, com as relações que tenho, com minha ação parlamentar por muitos anos, é construir em torno do PSDB uma aliança ainda mais ampla do que a que existe entre os Democratas e o PPS.
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