Ausência de limites - Artigo
do senador Aécio Neves para a Folha de S.Paulo
A
redemocratização brasileira nos deixou um importante legado: a certeza de que a
democracia é mais que um voto depositado nas urnas. Ela se baseia na garantia
das liberdades e num rigoroso respeito às leis. Assim, não é possível fechar os
olhos para o viés autoritário que ganha substância no governo petista.
A
governança por medidas provisórias, a profunda subordinação do Congresso, a
forma como foram promovidas as mudança de marcos regulatórios, a ausência de
diálogo e as diversas tentativas de "regulamentar" a mídia são
algumas das expressões dessa perigosa tendência.
Mas
a fala da presidente da República e a lamentável utilização da rede nacional de
rádio e TV para, entre outras coisas, desqualificar os brasileiros críticos ao
seu governo é, certamente, a mais evidente delas. Não se sabe se incomodada
pela pressão das articulações que gostariam de ver o ex-presidente Lula
candidato ou com a simples motivação de tirar o foco dos fracassos acumulados,
constatados pelo pífio resultado da economia, a presidente resolveu antecipar o
debate eleitoral.
É
nesta posição que ela se permitiu propagar aos brasileiros a visão maniqueísta
de uma nação dividida ao meio, na qual os que amam o Brasil são otimistas e
estão com o governo enquanto que os que não querem o bem do país, os "do
contra", os pessimistas, estão na oposição.
Essa
é uma postura que agride a diferentes gerações de democratas. É impossível não
revisitar, com ironia, a gênese petista do "quanto pior melhor". Ou
voltar no tempo para lembrar o nacionalismo canhestro dos governos militares
que buscava confundir governo com nação, transformando a crítica em ato
impatriótico e que agora ganha estranha atualidade.
O
conteúdo do pronunciamento foi atípico e agressivo.
Na
parte dedicada à energia, de forma desleal, o texto transformou os que apenas
defenderam um outro caminho para a diminuição da conta de luz --no caso a
redução de tributos federais-- em adversários da ideia. Para a construção do
falso raciocínio, sonegou ao país até mesmo a informação de que empresas
estaduais criticadas aderiram à proposta do governo nas áreas de transmissão e
distribuição.
E,
por ironia, são justamente os Estados governados pelo PSDB que, sem alarde,
oferecem há muitos anos as maiores isenções de ICMS na conta de luz... O pronunciamento
da presidente tem vários significados. Nenhum deles é bom para a democracia,
patrimônio de todos brasileiros.
PS
- É impossível encerrar a coluna sem expressar o meu mais profundo sentimento
pela dor das famílias de Santa Maria, dor que é de todos nós brasileiros.