Ainda há um grande esforço para
tentar compreender melhor a motivação que leva às ruas milhares de brasileiros,
defendendo um sem número de causas e reivindicações. A este respeito,
lembrei-me que em outubro de 2011 --portanto há quase dois anos-- assinei um
artigo, aqui mesmo, nesta Folha, abordando a imprevisibilidade da política, as
grandes transformações em curso e a busca coletiva por uma nova ordem.
Sem qualquer pretensão de leitura
antecipada sobre os protestos que hoje varrem o país, inimagináveis há até
poucos dias, já naquele momento era perceptível uma crescente onda de
desencanto mundo afora com regimes autoritários, a corrupção e a crise
econômica, temas encarnados por levantes como o da Primavera Árabe, os
Indignados na Espanha e o Ocupe Wall Street, em Nova York.
À época, muitos apontavam aquelas
como manifestações "sem bandeira", quando na verdade representavam um
múltiplo e crescente inconformismo. Ainda que movido por diferentes
frustrações, fenômeno de certa forma semelhante alcançou a realidade
brasileira, após longos anos de acúmulo de insuficiências de toda ordem,
agravadas pela percepção de grave paralisia gerencial, desperdícios, desvios e
enorme frustração com a impunidade.
O inédito movimento brasileiro
contrasta com a tentativa de afirmação de um "Brasil cor-de-rosa",
como se tivéssemos deixado para trás, em um trecho vencido de história, uma das
maiores desigualdades do planeta e as mazelas do nosso subdesenvolvimento. Se
avançamos --e avançamos--, não vencemos o principal: continuamos um país pobre,
desassistido e injusto.
O que não parecia ser factível
tornou-se inesperada realidade: entornou para fora dos limites da política
tradicional a percepção sobre obras que nunca acabam e multiplicam orçamentos
exorbitantes; o baixo investimento em áreas fundamentais, gerando o
sucateamento da saúde, a educação precária e a grave omissão na segurança
pública, enquanto bilhões escorrem em programas de financiamento obscuros ou
casos mais explícitos, como o de Pasadena, e agora as obras da Copa.
A insatisfação com a realidade está
clara na pesquisa Ibope/CNI. Das nove áreas avaliadas, seis são desaprovadas
pela maioria da população: segurança pública, saúde, impostos, combate à
inflação, taxa de juros e educação.
A desaprovação ao combate à inflação
subiu de 47% para 57%. Continuamos a ser um dos países que oferece o pior
retorno dos impostos arrecadados em serviços públicos.
Há neste episódio lições a serem
aprendidas por todos os que temos responsabilidade pública, e uma é incontestável:
o chamado mundo político tem uma enorme dívida com os brasileiros. E ela
precisa ser resgatada.