Os jovens precisam
saber mais sobre aqueles anos, para que esse conhecimento se reverta numa
profissão de fé inabalável: o de que a liberdade é um bem insubstituível.
Em 1964, data do golpe
militar que tirou do país duas décadas de liberdades, tinha apenas 4 anos.
Somente bem mais tarde, já na adolescência, pude compreender a real dimensão da
longa noite do regime de exceção que se abateu sobre a vida nacional. Mesmo
ainda sem ter militância política, era impossível não respirar o clima de
terror em vigência nos anos de chumbo. Para mim, particularmente, a ele
acrescentavam-se as aflições do meu avô, Tancredo, na sua longa, paciente e
determinada jornada em direção à redemocratização do País.
Foram anos em tudo
penosos e angustiantes. Não era apenas a construção política que demandava
reuniões varando as noites intermináveis. Lembro-me, ainda muito jovem, do
telefone insistente e os pedidos de ajuda que se acumulavam.
Tancredo trabalhava
diuturnamente cerzindo sua teia incomparável de contatos e, ao lado de outros
muitos nomes prestigiados da intelectualidade, do clero e da própria política,
tentava fazer valer apelos e argumentos em defesa de estudantes, artistas,
ativistas de correntes diversas, quando não de seus familiares, atingidos em
sua integridade pela fúria do totalitarismo militar.
Comecei minha atuação
política na luta pela redemocratização do Brasil, no começo dos anos 80, quando
as oposições viviam um grande impasse sobre o futuro imediato.
De um lado, já havia
alguma abertura, a anistia e as eleições diretas para governadores de
estado. Metalúrgicos, bancários, professores e outras categorias haviam
reconquistado o direito de greve e se organizavam em centrais sindicais de
expressão nacional. Os estudantes tinham reerguido a UNE. Exilados e banidos
estavam de volta ao convívio de suas famílias e retomavam a militância. Uma
profunda reorganização partidária começava a brotar da aglutinação de diferentes
correntes de opinião.
De outro lado, o
conflito de interesses demonstrava que os militares não deixariam
facilmente o poder. Para quem não acreditava na determinação desse continuísmo,
atentados como o da OAB e do Riocentro se incumbiram de dissipar a dúvida. A
batalha pela democracia estava pela metade, inconclusa. Sem eleições diretas
para presidente da República, o fim da ditadura militar, que assombrava o país
desde 1964, seria uma miragem.
O caminho a
seguir era o do fortalecimento crescente da unidade entre as oposições. E
o de uma condução madura, para que a reconquista plena da democracia não
desaguasse num banho de sangue, como ocorreu em tantos episódios na história
das transições políticas – direção apontada, não sem polêmicas e dissensões,
por brasileiros da grandeza de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, para citar
apenas dois nomes, por meio dos quais rendo homenagem a inúmeros combatentes
daquelas jornadas.
Ao final, o golpe
militar de 1964 impactou minha vida definitivamente. Foi na luta para sua
superação – iniciada ainda na campanha de Tancredo ao Governo de Minas; depois
na memorável campanha das "Diretas Já" e na vitória de Tancredo à
Presidência –, que iniciei minha vida política, incorporando as grandes
lições e aprendizados que me acompanham até hoje. Entre eles, a compreensão da
política sem sectarismo, respeitando as diferenças e a contribuição que cada um
pode dar ao país.
Acredito que o “Diretas
Já” foi um movimento que deveria estar mais presente na nossa memória, pelo que
ainda é capaz de nos ensinar. Lideranças como Tancredo, Ulysses, Fernando
Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Miguel Arraes ou Luiz Inácio Lula da Silva
reuniram suas melhores energias em torno de uma grande causa nacional. Tudo
muito diferente do que acontece no Brasil de hoje, com o estimulo à
intolerância política e as reiteradas tentativas de dividir o país entre “nós”
e “eles”, como se o fato de ser oposição nos tornasse menos patrióticos.
Recuperar a história é
sempre importante. Os jovens, sobretudo, precisam saber mais sobre
aqueles anos, para que esse conhecimento se reverta numa profissão de fé
inabalável – o de que a liberdade, em todas as suas dimensões, é um bem
insubstituível e que a Pátria, como dizia Tancredo, é tarefa de todos os
dias.
Aécio Neves é senador
eleito pelo PSDB. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados
para o especial Ecos da Ditadura,
sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964.
Fonte: Carta Capital
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