Publicado no jornal Hoje em Dia – 02-09-14
A quadrilha acusada de
montar o “mensalão” do “Minha Casa, Minha Vida” em Ipatinga, no Vale do Aço,
contabilizava em cadernos o pagamento das taxas exigidas de possíveis
beneficiários do programa federal e cobrava dinheiro até de desempregados. É o
que revelam planilhas apreendidas pela Polícia Civil na sede da Associação
Habitacional de Ipatinga e depoimentos de testemunhas, aos quais o Hoje em Dia
teve acesso.
Seis pessoas foram
indiciadas, entre elas o vereador Saulo Manoel da Silveira e a presidente do PT
municipal, Uzânia Aparecida Gomes, que também é chefe de gabinete do
parlamentar. Nenhum dos seis indiciados soube informar, em depoimento, como era
contabilizado o dinheiro arrecadado. A Polícia apreendeu, em maio deste ano,
cadernos com informações bancárias (número da conta, banco e CPF) dos acusados.
Policiais recolheram
computadores, pendrive e documentos da sede da Associação Habitacional de
Ipatinga. Em cadernos, a quadrilha contabilizava o pagamento feito pelos
possíveis beneficiários. Era anotado o nome da pessoa e “PG” ou “OK” com o
valor escrito ao lado. De acordo com o inquérito policial, as anotações
comprovam o pagamento de taxas por postulantes a unidades do “Minha Casa, Minha
Vida”.
Segundo a acusação, o
vereador e sua equipe promoviam reuniões mensais em diversos bairros da cidade
com a finalidade de inscrever possíveis beneficiários para receber um
apartamento por meio do programa federal. Para que tivessem os nomes na lista,
as pessoas tinham que pagar entre R$ 3 e R$ 10 por mês, sempre durante as
reuniões.
No material apreendido pela
Polícia, há sínteses de valores arrecadados nos encontros. Em um caderno, por
exemplo, é contabilizado quanto renderam as reuniões em 13 bairros diferentes.
Os 13 encontros, feitos no mesmo mês, possibilitaram a arrecadação de R$ 1,5
mil. Tudo era anotado à mão, de forma grosseira.
Bolsa
Policiais infiltrados
conseguiram gravar uma reunião em que foi feita a cobrança. Eles frequentaram
diversos encontros. Na maior parte deles, de acordo com o relato dos
investigadores, os indiciados pediam que as pessoas desligassem os aparelhos
celulares. Também pediam atenção para a entrada de desconhecidos nos recintos.
As reuniões aconteciam, em grande parte, em escolas estaduais, cedidas à
Associação Habitacional.
De acordo com testemunhas e
com os policiais infiltrados, antes das reuniões, uma pessoa ficava na porta
das salas com uma bolsa ou sacola. Ela recolhia o dinheiro e somente depois do
pagamento autorizava a entrada do possível beneficiário.
“Que uma das voluntárias
fica com uma bolsa onde o dinheiro das taxas é guardado; que há uma orientação
para que, se aparecer na reunião alguma pessoa diferente, bem vestida, a
voluntária que está com a bolsa deverá fechá-la e sair do local”, afirmou uma
testemunha.
PONTO A PONTO
- O programa “Minha Casa,
Minha Vida” é federal e consiste no financiamento de imóveis pela Caixa.
- Na modalidade “Entidades”, a União firma
parceria com entidades sem fins lucrativos para viabilizar o programa. As
entidades têm que elaborar lista de possíveis beneficiários.
- As entidades têm que seguir critérios
estabelecidos pela Caixa. Um deles é ter renda familiar bruta de até R$ 1.600.
- Em Ipatinga, a Associação Habitacional
promove reuniões mensais em cada bairro que possui população de baixa renda.
Nestas reuniões, cobra uma taxa para que os postulantes possam compor a lista.
O esquema perdura há mais de dez anos.
- Testemunhas relataram ainda que, além da
taxa, são obrigadas a trabalhar gratuitamente em campanhas eleitorais do
vereador Saulo Manoel (PT).
- A Polícia pediu a prisão do vereador e de
outras cinco pessoas ligadas a ele. As acusações são de improbidade
administrativa, abuso de poder econômico, compra de votos, captação ilícita de
sufrágio, concussão, em concurso material de crimes, e associação criminosa.
Somadas, as penas ultrapassam dez anos de detenção.
Esquema não poupava nem desempregados
O esquema montado pela quadrilha em Ipatinga,
segundo a Polícia Civil, era de fácil manipulação porque os indiciados são
suspeitos de ludibriar pessoas humildes, de baixa renda, e até desempregados.
Para as autoridades, essas pessoas realmente têm condições de serem inscritas
no programa “Minha Casa, Minha Vida”, cujo pré-requisito é rendimento familiar
bruto de até R$ 1,6 mil.
“Ressalte-se o fato de se
tratar de pessoas bastante humildes, que, certamente, tem bastante necessidade
do dinheiro que estão deixando nas reuniões, iludidas com a informação de que
receberão o imóvel se pagarem as taxas, e ameaçadas de jamais receberem, se não
pagarem. Tratam-se de pessoas facilmente enganáveis!”, diz um trecho do
inquérito que pede a prisão dos envolvidos.
Em depoimento, uma das
testemunhas revela que estava desempregada, mas, mesmo assim, não foi poupada.
“Que questionou se o fato de uma pessoa estar desempregada, ser viúva, mãe
solteira e responsável por sustentar a própria casa não seriam casos de
preferência para o recebimento do imóvel e a também investigada Penha
(tratando-se de Penha Marta Bandeira de Pádua) afirmou que a única coisa que
importa é a frequência, a contribuição e o tempo de espera”, disse uma das
testemunhas. Ela afirmou estar há cinco anos na fila.
Penha foi assessora de Saulo
Manoel e ocupa cargo na administração municipal. Ela não foi encontrada para
falar sobre a denúncia.
A reportagem entrou em
contato com o vereador Saulo Manoel (PT), apontado como líder do esquema
criminoso. Ele mandou dizer que estava “tomando banho” e pediu para retornar a
ligação em alguns minutos, porém, não atendeu mais o telefone. A reportagem
tentou falar com Uzânia Aparecida Gomes, presidente do PT municipal, também sem
sucesso.
A Câmara de Ipatinga poderá
abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para avaliar possível cassação de
Saulo Manoel.
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