sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sonho da Casa Própria vira Risco de Vida no Triângulo Mineiro

Fonte: Jornal Estado de Minas

Uberlândia – Era uma casa muito sonhada, mas não tinha laje, não tinha muro, não tinha piso, não tinha quintal, não tinha privacidade, não tinha graça, não tinha nada. E o que é pior: pegava fogo. 

Podia ser apenas uma paródia da música do poeta e compositor Vinicius de Moraes, mas é a realidade vivida hoje pelas famílias do conjunto habitacional Shopping Park, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, empreendimento de R$ 144 milhões, financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF) com recursos do programa federal Minha casa, minha vida e erguido sob a responsabilidade da prefeitura. 

A reportagem do Estado de Minas percorreu a pé durante um dia inteiro o conjunto – inaugurado durante a gestão do ex-prefeito Odelmo Leão (PP) em 2011–, que abriga 3.632 famílias de baixa renda, todas numerosas, com muitas crianças e portadores de deficiência.
Os problemas são muitos e as reclamações generalizadas. Para começar, as casas, geminadas, não têm parede até o teto. Elas acabam num forro – não há laje –, o que faz com que o vizinho escute tudo que se passa ao lado. Em algumas delas, o quintal é desnivelado, com barrancos de até quatro metros de altura, impossibilitando o uso do terreno pelas famílias.

O forro no interior cobre todo o teto e esconde a rede elétrica, que, segundo os moradores, é feita de material de baixíssima qualidade. Em muitas residências, as lâmpadas não se acendem ou  se aquecem demais e queimam com frequência. 

Das tomadas e do chuveiro saem fogo, a energia cai quando mais de um aparelho elétrico é ligado ao mesmo tempo e há muitos relatos de pequenos incêndios. As caixas de energia não têm tampas e a fiação está exposta.

Pelo menos quatro residências do conjunto já pegaram fogo este ano. Uma delas, em 23 de setembro. O dono da casa, William Bonifácio, contou à imprensa que o fogo começou no quarto onde os seus três filhos dormem. 

Por sorte, ninguém se feriu, mas ele perdeu móveis e eletrodomésticos. “Acredito que o fogo tenha começado no alto da casa e algo de plástico pingou atrás do guarda-roupa. Também queimou parte da fiação do quarto”, afirmou.

No caso mais grave, em 12 de setembro, uma idosa de 78 anos, Célia de Jesus Silva, morreu asfixiada. Sua casa está fechada desde o incêndio, mas por uma fresta no muro é possível ver o estado em que o imóvel ficou. Do lado exterior não há nenhum sinal de fogo ou fumaça, mas é possível ver de longe que o forro do teto da casa derreteu completamente e alguns fios estão pendurados. Como todas as casas são geminadas, o fogo atingiu a residência ao lado, também fechada desde então.

O medo de novos incêndios ronda as famílias, principalmente as que têm filhos pequenos ou idosos e doentes. O Corpo de Bombeiros de Uberlândia ainda não concluiu o laudo sobre as causas do fogo, mas para os moradores o problema é a instalação elétrica feita pelas construtoras responsáveis pela obra, Marca Registrada, El Global, Emcasa e Castroviejo. 

Até mesmo uma audiência pública na Câmara de Uberlândia foi realizada para tratar desse problema específico. Semana passada todas as empreiteiras foram denunciadas, juntamente com a prefeitura e a CEF, pelo procurador federal Cléber Eustáquio Neves, em uma ação civil pública que pede reparação imediata dos problemas do conjunto habitacional e a proibição para que projetos similares ao do Shopping Park sejam implantados em outras localidades.

Arremedo

Em sua ação, o procurador classifica as residências como “arremedo de casas” e afirma que elas não têm o “mínimo padrão de dignidade e não observam regras técnicas de construção definidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), fator decisivo para o rebaixamento do nível de vida das famílias do conjunto”. 

O procurador também pede a implantação imediata no local de serviços essenciais. No conjunto só existe uma escola municipal e uma creche, ambas com capacidade reduzida. “Esses arremedos foram inaugurados com grande pompa pelos políticos locais sem que existissem no local escolas, postos de saúde e outros equipamentos sociais.”

As casas têm cerca de 40 metros quadrados de área construída e teriam custado às empreiteiras R$ 39,7 mil cada. Elas foram financiadas pela CEF em 10 anos com prestações subsidiadas que variam de R$ 50 a R$ 160. 

Os lotes onde foram construídas as residências pertenciam à iniciativa privada e foram adquiridos pelas empreiteiras. A prefeitura foi a responsável pela seleção das famílias, vistoria para a liberação de habite-se e também pela execução das obras de pavimentação da via de acesso ao conjunto e da implantação da adutora de água e da estação de esgoto, obras que, segundo a atual gestão, custaram aos cofres públicos cerca de R$ 1 milhão.

Caixa Admite Problemas

A Caixa Econômica Federal (CEF) admitiu, por meio de nota, que 600 unidades habitacionais do residencial Shopping Park foram entregues faltando portas, pias, vasos sanitários e outros equipamentos. 

A justificativa do banco é que o conjunto foi invadido na fase de assinatura dos contratos e que temendo novas invasões os proprietários se mudaram para as residências. Inauguradas há cerca de dois anos, muitas das casas continuam sem os equipamentos, mas de acordo com a CEF isso será resolvido este mês.

A CEF informou ainda que está fazendo muros de arrimo nas residências em que há risco de desabamento com a chegada do período de chuvas. Sobre os quintais desnivelados, o banco confirma que foram entregues imóveis com terreno desse tipo e sem muro de arrimo.
De acordo com a instituição alguns proprietários aplainaram os seus lotes e removeram os taludes (cortes inclinados em barrancos para evitar desmoronamento) e não construíram muro de arrimo para contenção do desnível por essa intervenção. “Com esse tipo de intervenção, criou-se barranco instável, e ao não conseguir construir o muro de arrimo antes da temporada de chuvas, esses barrancos podem vir a pôr em risco de desmoronamento casas vizinhas dos fundos.”

Sobre as reclamações da péssima qualidade do material usado no acabamento das casas, principalmente da parte elétrica, a CEF disse que o banco e as construtoras estão recebendo reclamações dos moradores pessoalmente, por telefone ou e-mail, e que uma das empreiteiras já iniciou a troca de bocais de luz das unidades do empreendimento. Segundo a nota, se os problemas forem de responsabilidade das construtoras eles serão reparados e os gastos cobrados das empresas.

O secretário de Habitação de Uberlândia, Delfino Rodrigues, disse que a atual gestão acertou com o banco a realização de uma vistoria em todas as casas do conjunto para levantamento dos problemas para serem reparados. Segundo ele, a CEF vai arcar com as despesas e, se for constatada culpa das empreiteiras, elas serão acionadas para custear os gastos. 

Disse ainda que a prefeitura tem direito a recursos de um fundo especial de R$ 2,1 milhões para a capacitação social e técnica de famílias do Minha casa, minha vida e que o recurso não foi aplicado pela gestão passada. “Estamos concluindo os projetos sociais para o conjunto e logo vamos começar a implantá-los.” O ex-secretário de Habitação de Uberlândia vereador Felipe Attiê, responsável pela implantação do conjunto, não foi localizado. A reportagem ligou em seu gabinete e em seu celular, mas ele não retornou as ligações.


Segunda-Fase

O programa Minha casa, minha vida começou em 2009 como o objetivo de reduzir o déficit habitacional brasileiro. Na primeira fase, até 2010, um milhão de moradias foram construídas. 

A segunda fase começou em 2011 e vai até 2014, com a promessa de construir 2 milhões de unidades, 60% delas voltadas para famílias de baixa renda. 

Segundo dados do Ministério das Cidades, em Minas foram investidos R$ 16 bilhões para a contratação de 253 mil casas, com 139,6 mil entregues. Na área urbana, o programa é dividido por três faixas de renda mensal: até R$ 1,6 mil, até R$ 3,1 mil e até R$ 5 mil.


Nenhum comentário:

Postar um comentário