Fonte: Folha de São Paulo
O governo Dilma Rousseff
erra ao usar os bancos públicos para baixar o custo do investimento em
infraestrutura e assim permitir uma rentabilidade maior para as empresas, diz
Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (1983-1985).
"Aqui entra a filosofia
do processo: tenho que ficar com o pedágio baixo porque quem usa a estrada é o
cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não
vai nem perceber. Vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Isso gera uma carga
sobre a sociedade inteira, mas o eleitor está defendido."
O economista diz que o
governo atual está "virando de cabeça para baixo" as condições que
permitiram mais produtividade nas gestões dos presidentes anteriores.
Além do aumento desmesurado do Estado no financiamento, ele
critica os benefícios a setores específicos, que desestimulam a procura por
lucros e eficiência.
E o que acontece com quem
herdar esse abacaxi em 2015? "Descasca e, se não estiver podre, come. O
Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar
sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.” *.
Folha - O governo baixou o custo do
capital, o dólar subiu para dar mais competitividade, fizeram intervenções em
vários setores, tiraram impostos. Ainda assim o crescimento não foi o esperado.
Eram as premissas que estavam erradas?
Affonso Celso Pastore - Foi a ideia de que o estímulo fiscal produz crescimento. Ou a de
que baixar a taxa de juros liberta o espírito animal. Ou a de que a depreciação
cambial produz melhora de competitividade. Ou a de que, se você intervir mais
na economia, produz resultados melhores.
Esse grau de
intervencionismo feito em um setor ou em outro acaba gerando privilégios,
vantagens para alguns. Em vez de gerar um setor privado que está atrás do lucro
e da eficiência, induz a criação de um setor privado que é
"rent-seeking" [busca de renda, em inglês, ou seja, a tentativa de obter
renda pela manipulação do ambiente social ou político, em vez de agregar
valor].
É muito mais eficiente ir
a Brasília batalhar pela sua isenção tributária, ainda que você não seja
eficiente, desde que você tenha o poder político de convencer o ministro, de
convencer o presidente.
É muito mais fácil ir ao
BNDES pleitear uma linha de crédito. Com isso, você vai dando dinheiro para
setores que não necessariamente os setores melhores.
Não é com oligopólios e
com monopólios que se cria eficiência. Cria-se eficiência com competição. Você
cria eficiência a partir do momento que passa sinais de preços relativos,
sinais de mercado que permitem aos indivíduos, na busca do lucro, obedecendo a
esses sinais, alocar direito os recursos.
Há algo de profundamente
errado nessa política intervencionista. Você chega a absurdos aqui dentro. Por
exemplo, resolvemos baixar o preço da energia e, com isso, quebrou-se um
contrato. No fundo, criou-se uma incerteza para o sujeito que investe em
infraestrutura.
Precisávamos de uma TIR
(taxa interna de retorno, uma medida de rentabilidade de um investimento] mais
alta. O governo fez, baixando o custo da dívida.
Como você faz isso? Emite
dívida pública bruta, aumenta portanto a dívida pública, transfere esse recurso
para o BNDES e diz para o BNDES emprestar a uma taxa .
Digamos que você subsidiasse 90%, 80% ou 70% com esse recurso.
Você olha para isso e diz que foi o setor privado que fez. Não! Foi um aumento
de dívida pública bruta que fez. Isso não aparece na dívida pública líquida porque
você define o ativo que você tem contra o BNDES como sendo um ativo líquido.
Coisa que não é verdade porque, ainda que esse empresário seja totalmente
solvente e nos próximos 30 anos pague essa dívida, ele vai pagar em 30 anos.
Isso é diferente de você ter dinheiro em caixa, como as reservas
internacionais, as quais, se você vender, quita a dívida na mesma hora.
No entanto, ele faz isso.
E estamos assistindo a um expansionismo fiscal maior do que o que está lá no
superavit primário. Ou seja, quando você vê o prêmio de risco do Brasil subir
acima dos "peers" [colegas, em inglês, países do mesmo grupo], ou
seja, acima do México, do Peru, da Colômbia, dos países do Leste Europeu, isso
está refletindo o desajuste fiscal.
Esse é um risco que já
está no mercado financeiro e no indivíduo que está fazendo investimento em
capital fixo. Isso explica um pouco porque aumentou o risco em investimento.
Esse tipo de intervencionismo excessivo leva a desajustes.
O senhor vê uma
reavaliação dessa política atualmente pelo governo?
Quando as coisas dão
errado, há dois tipos de postura: ou você recua e muda, ou dobra a aposta.
Depende do grau de
compreensão do problema ou do grau de vedação ideológica do indivíduo que está
recebendo essa informação.
O sujeito pode estar recebendo
essa informação e reagir dizendo "não, mas no livro em que aprendi, aquele
do nacional-desenvolvimentismo, isso tem de estar certo, é preciso ir até o
fim". Isso seria dobrar a aposta.
A outra opção seria ir
fazendo ajustes pequenos aqui e ali sem mudar fundamentalmente o curso. Quer
dizer, a inflação está subindo, deixa o Banco Central subir mais 0,25 ponto
percentual na taxa. O preço da gasolina está x% defasado ao câmbio de R$ 2,30,
dá reajuste de x% sobre três, corrige um pouquinho.
Na medida que você corrige
só um pouquinho e vai empurrando com a barriga, você não tira o desajuste, mas
também não obtém o resultado. Você é condenado a ter uma inflação que fica lá
no 6%, 6% e pouco, um deficit em conta corrente que fica lá em 3%, 3,5% do PIB
(Produto Interno Bruto) e um crescimento de PIB de 2%, 2,5%.
Você tem um resultado
medíocre e vai levando para ver até onde chega. Acho que essa é outra hipótese.
Estamos condenados com essa política
econômica a voltar a um patamar de crescimento baixo de 3%, com uma inflação
girando em torno de 6%?
Não há nada de fatal no
crescimento brasileiro. O Brasil não está "condenado", porque cometeu
algum pecado, a ter que crescer sempre a 2%, 2,5%.
O Brasil também não pode
crescer 6%, não há hoje mão de obra suficiente. Há uma vedação demográfica aqui
dentro. A população economicamente ativa está crescendo a 1,5% ao ano, não é
mais aqueles 3% que crescia no passado.
De 2002 para cá, a taxa de
participação foi crescendo, a taxa de ocupação foi crescendo. Você tinha gente
voluntariamente fora do mercado de trabalho e, durante algum tempo, esse
pessoal reentrou na força de trabalho. A taxa de ocupação subiu, a taxa de
desemprego caiu.
Só que agora está muito
mais estreito. Há um estoque de gente voluntariamente fora do mercado de
trabalho muito menor.
Quer dizer, em termos
concretos, caiu na margem a contribuição do crescimento populacional para a
expansão da economia.
O segundo ponto é a tal da
produtividade total dos fatores. A contribuição da produtividade total dos
fatores no Brasil vem diminuindo, diminuindo. Ela engloba tudo, capital, mão de
obra. Se você tem mais educação, mais tecnologia e aloca melhor os fatores -por
exemplo, se põe o trabalhador qualificado para o trabalho A trabalhando no
trabalho A e não no trabalho B-, isso aumenta a produtividade total dos
fatores.
A literatura econômica
tem mostrado que a produtividade total dos fatores é o que mais contribui para
o crescimento, não?
Grande parte do crescimento
vem da produtividade total dos fatores. Os países que crescem para valer
crescem em cima disso, muito mais do que em cima de acumulação de capital,
embora você precise também de acumulação de capital.
O Brasil, durante o início
do governo militar, teve um conjunto de reformas, mudou o sistema tributário.
Havia vários defeitos que eles, parcialmente, corrigiram lá atrás, o que gerou
um período de alta elevação de produtividade total dos fatores nos anos
subsequentes, o chamado "milagre econômico".
Há trabalhos empíricos
feitos que mostram que o milagre foi devido em grande parte a esse conjunto de
reformas.
Depois, houve um segundo
ciclo de reformas, que está muito mais difuso, começou com a abertura da
economia no governo Collor. Depois veio o ciclo de reforma monetária do governo
FHC, que trouxe a estabilidade de preços. Depois veio a Lei de Responsabilidade
Fiscal, e novo período de reformas até o primeiro mandato do Lula.
No primeiro mandato do
Lula, por exemplo, houve as reformas no sistema habitacional, que permitiram
todo o crescimento do setor de construção civil e de crédito habitacional.
Quando você passou a ter
crédito e estabilidade macroeconômica, fluxos de capitais começaram a entrar no
país. Os fluxos de capitais permitiram os IPOs, que tiraram da informalidade as
companhias construtoras, que investiram em governança corporativa, melhoraram a
eficiência, ficaram mais produtivas.
Esses são exemplos de
reformas que realmente aumentaram a eficiência, aumentaram a produtividade.
Esse período de reformas
não foi concentrado no período de um governo só, pegou vários, e gerou um
crescimento por um tempo.
Mas o impulso dessas
reformas está morrendo, porque nós estamos virando isso de cabeça para baixo.
Em vez de acentuar a ida para a eficiência, estamos acentuando a ida para
ineficiência.
Esse fator de produção que
é absolutamente fundamental como fonte de crescimento econômico, nós estamos
perdendo essa fonte.
Um dos argumentos do
governo é justamente que as licitações vão dar esse ganho de produtividade
porque vão melhorar a infraestrutura do país, baixar o custo.
Eu não tenho dúvidas de
que a infraestrutura é absolutamente fundamental para gerar tudo isso. Também
não consigo entender por que já se passaram tantos anos até que isso ocorra.
O Brasil precisa de
estrada, precisa de ferrovia, precisa de porto, precisa de aeroporto, precisa
de melhor logística. Não tenho nada contras as licitações. Agora deixe-me falar
um pouco sobre a forma como estão sendo conduzidas: o governo não tem dinheiro,
então chama o setor privado para fazer. Mas ele diz "você tem que dar um
passo aqui, outro passo para cá, você não pode sair desse círculo". Para
elevar a TIR, o BNDES alavanca com 80%, 90% de financiamento, baixa o custo de
capital. Mas isso vira aumento de dívida pública.
Em 2008, essa transferência para o BNDES como dívida bruta era
menos do que 1% do PIB, transferia, voltava etc. Isso está crescendo e chegou a
10% do PIB.
Esses 10% do PIB deixam a
dívida bruta em 60% do PIB, e a dívida líquida está aqui em 35% do PIB.
Para chegar na dívida
líquida você deduz da dívida bruta ativos líquidos, como reservas, depósitos do
Tesouro no sistema bancário, depósitos do FGTS também. Agora, dinheiro que você
emprestou por 10 anos, 15 anos não é mais líquido. E tem um subsídio aqui
dentro, além de você estar aumentando a dívida bruta para fazer o gasto.
À medida que ele fez a
licitação desse jeito, se ele financiar tudo isso, um pedaço disso é expansão
fiscal. No fundo, ele não chamou o setor privado para o setor privado aumentar
o estoque de capital. Ele está chamando o setor privado com limitações, com
financiamento e uma taxa subsidiada.
Se o BNDES quer dar um
incentivo para um cara que é produtivo, ótimo. Mas não precisava pôr o BNDES
para financiar a infraestrutura se você aceitasse uma TIR um pouco mais alta.
Aqui entra a filosofia do
processo. Você diz o seguinte: "Eu tenho que ficar com o pedágio baixo
porque o cara que usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na
forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Ele vai dizer que a culpa é
dos banqueiros. Então, eu baixo a TIR, baixo o pedágio, dou dinheiro para o
BNDES, aumento a dívida bruta. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira,
mas o meu eleitor está defendido".
A forma como está sendo
feita não é a forma correta. Desculpe, é correta para quem tem o objetivo
político de ficar no poder, de se eleger e de usar esse tipo de instrumento
para ficar no poder. Mas não é a forma correta do ponto de vista econômico
.
Então o papel do BNDES
na sua visão está desvirtuado?
O BNDES não precisava ir
ao extremo que está indo.
O sr. se lembra de algum
outro momento da história do país em que o BNDES tivesse sido usado...
Isso aí? Mas nunca!
E a política de escolher
algumas empresas específicas para investir, como o BNDES tem feito?
Um grande amigo meu
empresário diz o seguinte: o empresário tem de ser escolhido pelo mercado e não
pelo governo.
O que o preço da ação
reflete? A expectativa de lucro da empresa. Se a empresa é eficiente, tem uma
expectativa de lucro alta. Se for ineficiente, está fora do jogo.
Agora chega o BNDES e diz
"eu gostei do sorriso desse, esse cara é promissor, vai em frente".
Se o empresário falha num projeto, o equity [capital social, resultado do preço
das ações] vira pó. Você acabou de assistir um caso agora. Se tivesse o governo
por trás, tinha um "bailing out" ali ["bailout" é uma
injeção de recursos pelo governo em uma empresa falida ou prestes a falir, para
permitir que ela honre compromissos de curto prazo].
Na sua opinião, esse
tipo de medida é fruto de um projeto político ou se baseia realmente na crença
de que é um modelo que pode levar ao desenvolvimento do país?
Acho que são as duas
coisas. O Lula tinha o mesmo objetivo do que a Dilma. O PT tem um projeto de
poder para muitas décadas, não é para um governo ou dois. O Lula abriu as
portas desse projeto de poder. A Dilma continua no mesmo projeto.
Mas o Lula, quando viu o prêmio de risco do Brasil em 2.500 pontos
[prêmio de risco é, em linhas gerais, quanto o governo tem que oferecer de
juros acima da taxa dos Estados Unidos, para atrair investidores --2.500 pontos
são o equivalente a 25 pontos percentuais], não teve dúvidas em pegar um
banqueiro reputado [Henrique Meirelles] e colocar no Banco Central, em escolher
um ministro da Fazenda que não levou nenhum economista do PT para trabalhar com
ele.
O Antonio Palocci levou o
Joaquim Levy [hoje diretor-superintendente da Bradesco Asset Management], o
Marcos Lisboa [hoje vice-presidente do Insper], o Murilo Portugal [hoje
presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)]. Pessoas com
diferentes ideologias, alguns mais à esquerda, alguns mais à direita, com
espírito público muito grande. Esse foi o critério de seleção.
O Palocci tinha uma
característica básica: ele ouvia as pessoas. Ouvia as críticas e não as tomava
pessoalmente. Era capaz de processar aquela informação.
Ele não era economista,
mas você não precisa ser economista para perceber onde está o fato econômico.
O Palocci disse que tinha
uma agenda de reformas microeconômicas. O Lula olhou para aquilo e disse:
"Executa isso". O Lula tinha um negócio que se chama pragmatismo. É o
sujeito que tinha um projeto de poder, mas não tinha vedação ideológica.
Agora compara o atual
ministro da Fazenda com isso o que descrevi sobre o Palocci...
Mas foi o próprio Lula
que escolheu o atual ministro da Fazenda...
É, sumiu o pragmatismo.
Por quê? Eu não sou psicólogo (risos). Mas o fato concreto é que não tem mais
pragmatismo no governo.
O projeto de poder
continua, mas aquele negócio de usar a economia de mercado por conveniência do
projeto político mudou. Agora você quer usar o social-desenvolvimentismo. Quer
dizer, tem um componente ideológico agora muito maior do que o componente que
tinha lá atrás.
Em quanto o sr. acha que
esse cálculo político explica a política econômica mais voltada para setores e
mais voltada para o BNDES como financiador?
É muito mais ideologia do
que projeto político.
A jornalista Sylvia Nasar,
no seu livro "Grand Pursuit: The Story of Economic Genius" ["A
Imaginação Econômica - Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a
história", Cia. das Letras], mostra que um mesmo fato histórico pode ser
lido de formas diferentes. Por exemplo, a Revolução Industrial. Marx [Karl
Marx, 1818-1883] leu a Revolução Industrial e concluiu que o capitalismo era
inviável. Marshall [Alfred Marshall, 1842-1924] leu a Revolução Industrial e
concluiu que não, você remuneraria as pessoas na produtividade marginal e teria
uma sociedade afluente. Charles Dickens (1812-1870) viu a Revolução Industrial
e escreveu todos os romances que ele tem sobre a riqueza e a miséria que se
gerou no período.
Cada um reage de um jeito.
Os fabianos [movimento intelectual britânico do século 18, socialista e
reformista] olharam para aquilo e tiveram outra reação. A Beatrice e o Sidney
Webb, que depois fundaram a London School of Economics, e que têm um tipo de
filosofia parecido com a do Delfim, que é um fabiano, e que num certo sentido
está na cabeça da Dilma --esse nacional-desenvolvimentismo, o intervencionismo,
que é uma visão fabiana-- e disseram "precisamos de um Estado com muito
mais intervenção".
O mesmo fato histórico
produz muitas reações.
E diria que é preciso ler
muitas experiências históricas, mas quando se desce ao ponto de onde está o
crescimento econômico, onde está o desenvolvimento econômico, os fabianos não
tiveram muito sucesso nisso. Tiveram sucesso na distribuição de renda, isso é
outra história. Os marxistas não tiveram muito sucesso no desenvolvimento
econômico. A União Soviética desapareceu, foi para um sistema de mercado. A
China está indo para um sistema de mercado.
O excesso de
intervencionismo, esse nacional-desenvolvimentismo ainda existe, está na cabeça
do Brizola [Leonel Brizola, 1922-2008] 1812 - 9 de Junho de 1870), lá atrás,
por isso está na cabeça da Dilma, por isso está na cabeça do Arno Augustin
[secretário do Tesouro], esse povo que no fim absorveu aquilo.
Essas coisas são ciclos.
Vai-se para um extremo e depois se volta para outro extremo, passando por um
lugar intermediário. Estamos passando por um ciclo.
Essa política
intervencionista não deixa as empresas mais dependentes da negociação com o
governo?
Minha crítica a isso não é
a empresa ficar mais dependente ou menos dependente, mas promover o "rent
seeker". Isso é uma coisa séria. Não é "o que" você conhece, é
"quem" você conhece que determina se o empresário vai ou não vai. Há
exceções, há um monte de empresários que, no fundo, não precisam disso, não
dependem de crédito do governo.
Mas, na escolha deles, é puramente pessoal, não é um sistema em que o cara
passou no teste do mercado.
Que tipo de modelo o
senhor acha que seria o ideal para o país crescer de uma forma sustentável, que
dê conta do ritmo de crescimento da população e aumente o nível de renda do
país? O papel da indústria está superestimado?
A indústria tem um papel
muito importante. Mas há uma ideia de que o setor de serviços é
"junk". Não é bem assim. O Marcos Lisboa e o Samuel Pessoa têm
começado a brincar com estudos de casos no setor de serviços e têm achado
crescimentos de produtividade muito grandes.
O setor de serviços ganha
muita eficiência, não é só a indústria que tem ganho de produtividade. Na
indústria, esse ganho é visível, no serviço não, porque o ganho é no cérebro
das pessoas.
O Brasil tem uma dimensão
de mercado enorme, tem toda condição de ter uma indústria mais eficiente, mais
produtiva. Não acho que o Brasil está condenado a se desindustrializar. Acho
isso um erro, mas não é só a indústria que gera ganho de produtividade. Temos
que olhar para os dois setores.
As concessões devem pelo
menos reduzir o custo da agricultura e da indústria que usam mais a logística,
mas vão afetar pouco a produtividade do setor de serviços. Para isso, além de
tecnologia e processos, seriam necessárias reformas?
A reforma tributária, a
reforma de impostos. Tem de repensar esse sistema. O imposto está sendo usado
como moeda de troca. Eu tiro um pouco o imposto para reduzir seu custo.
Mas você está tributando o
trabalho no setor de serviços, e o setor de serviços não tem lobby.
Não tem um
sujeito que vai lá pra Brasília ficar com o ministro, dá entrevista dizendo
"Olha, estamos nos desservicializando". Quem não tem isso não leva.
Minha mãe, velha mineira, já dizia: "Quem não chora não mama". Se os
caras choram pouco, não vão mamar nada.
Dá para dizer que alguma
reforma é mais urgente?
O sistema tributário é
muito ruim, a legislação trabalhista é muito ruim. Tem que fazer o que der. Só
que o Brasil é uma federação e você teria redefinir o pacto federativo. E
redefinir o pacto federativo não é bolinho.
Há reformas como a
tributária que acho que um dia talvez aconteçam, mas não acredito que será tão
cedo.
O caminho ideal seria
então avançar por meio de reformas pequenas, mais microeconômicas?
O que ocorreu no Fernando
Henrique e no Lula 1 é um caminho. Mas nós estamos recriando o protecionismo.
Precisamos voltar atrás nisso.
Pelos seus cálculos qual
é o crescimento potencial do Brasil?
Agora, entre 2% e 2,5%.
Mas ele pode subir se você fizer as coisas corretas. Isso não é uma constante
da natureza, que é imutável. Depende das políticas que você segue. Se você
seguir políticas melhores, ele sobe.
E qual o cenário que
vocês têm para 2014?
Isso é ciclo político.
Está para nascer o candidato que não aumenta gasto público em um ano de
eleição. Acho que o superavit primário [economia do governo para pagar juros da
dívida] vai para baixo.
Acho que essas transferências para o BNDES e para a
Caixa continuam. Acho que a inflação fica alta, vai sacrificar a Petrobras, vai
sacrificar a energia elétrica para não repassar tudo para o preço. Há uma
pressão que está aumentando sobre o câmbio. Estamos intervindo um caminhão no
mercado de câmbio e ainda assim ele está em R$ 2,30.
O Banco Central está
vendendo muito, algum sucesso ele tem. Mas isso mostra a força que tem para
depreciar.
Essa depreciação é mais ligada ao cenário
externo, à expectativa de início da retirada de estímulo monetário nos EUA, ou
ao cenário doméstico?
Costumo exemplificar com
cinco países: Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil. O que esses
cinco países têm em comum? Uns mais, outros menos, todos eles estão seguindo
desde a crise financeira de 2008 políticas fiscais extremamente expansionistas
e um grande grau de acomodação monetária.
Quando eu abro meu livro
de economia no capítulo primeiro, ele me diz o seguinte: países que fazem isso
colhem dois resultados --deficits na conta corrente maior e inflação maior.
O problema não o fim do
estímulo dos EUA, mas que a economia americana está começando a crescer mais.
Os riscos nos EUA estão caindo e os retornos sobre investimentos estão subindo.
Então, o capital está fluindo de volta para os EUA.
Enquanto ele não fluía
para os Estados Unidos, vinha para os emergentes, que tinham melhor performance
que os EUA. Dava para financiar um deficit maior na conta corrente.
Mas, quando ele começa a
refluir para os Estados Unidos, o deficit na conta corrente fica grande
relativamente ao ingresso de capitais necessário. Aí o câmbio deprecia.
Todos os cinco países que
eu citei estão depreciando o câmbio. Todos eles estão com déficit na conta
corrente grande. Todos eles seguiram políticas fiscais muito expansionistas,
todos eles seguiram um grande grau de acomodação monetária.
A demanda por ativos
desses países, que é o que no fundo comanda a taxa de câmbio, está se retraindo
um pouco. Como sei isso? Olho para os prêmios de risco do país. Todos eles
estão com os prêmios de risco subindo um pouco mais do que os dos outros.
Quando isso acontece, o câmbio deprecia mais do que o dos outros.
Ou seja, há um componente
da depreciação cambial que é externa e outro ligado à política econômica
doméstica.
Há algum risco de
balanço de pagamentos?
Não. Vejo pressão para
depreciar o real e não crise no balanço de pagamentos.
E, nesse cenário, faz
sentido o Banco Central falar em condições para a neutralidade da política
fiscal e, portanto, menor necessidade de subir os juros?
Acho isso um negócio
completamente sem pé nem cabeça.
E o que acontece com
quem herdar esse abacaxi em 2015?
Descasca e, se não estiver
podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter
que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.
Há algum outro ponto com
o qual o sr. esteja pessoalmente preocupado no momento?
Estou preocupado com o São
Paulo Futebol Clube (risos).
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