segunda-feira, 16 de setembro de 2013

"Modelo para Infraestrutura visa mais Eleitor do que Sociedade", diz Pastore

Fonte: Folha de São Paulo

O governo Dilma Rousseff erra ao usar os bancos públicos para baixar o custo do investimento em infraestrutura e assim permitir uma rentabilidade maior para as empresas, diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (1983-1985).

"Aqui entra a filosofia do processo: tenho que ficar com o pedágio baixo porque quem usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira, mas o eleitor está defendido."

O economista diz que o governo atual está "virando de cabeça para baixo" as condições que permitiram mais produtividade nas gestões dos presidentes anteriores.

Além do aumento desmesurado do Estado no financiamento, ele critica os benefícios a setores específicos, que desestimulam a procura por lucros e eficiência.

E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015? "Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.” *.


Folha - O governo baixou o custo do capital, o dólar subiu para dar mais competitividade, fizeram intervenções em vários setores, tiraram impostos. Ainda assim o crescimento não foi o esperado. Eram as premissas que estavam erradas?

Affonso Celso Pastore - Foi a ideia de que o estímulo fiscal produz crescimento. Ou a de que baixar a taxa de juros liberta o espírito animal. Ou a de que a depreciação cambial produz melhora de competitividade. Ou a de que, se você intervir mais na economia, produz resultados melhores.

Esse grau de intervencionismo feito em um setor ou em outro acaba gerando privilégios, vantagens para alguns. Em vez de gerar um setor privado que está atrás do lucro e da eficiência, induz a criação de um setor privado que é "rent-seeking" [busca de renda, em inglês, ou seja, a tentativa de obter renda pela manipulação do ambiente social ou político, em vez de agregar valor].

É muito mais eficiente ir a Brasília batalhar pela sua isenção tributária, ainda que você não seja eficiente, desde que você tenha o poder político de convencer o ministro, de convencer o presidente.

É muito mais fácil ir ao BNDES pleitear uma linha de crédito. Com isso, você vai dando dinheiro para setores que não necessariamente os setores melhores.

Não é com oligopólios e com monopólios que se cria eficiência. Cria-se eficiência com competição. Você cria eficiência a partir do momento que passa sinais de preços relativos, sinais de mercado que permitem aos indivíduos, na busca do lucro, obedecendo a esses sinais, alocar direito os recursos.

Há algo de profundamente errado nessa política intervencionista. Você chega a absurdos aqui dentro. Por exemplo, resolvemos baixar o preço da energia e, com isso, quebrou-se um contrato. No fundo, criou-se uma incerteza para o sujeito que investe em infraestrutura.
Precisávamos de uma TIR (taxa interna de retorno, uma medida de rentabilidade de um investimento] mais alta. O governo fez, baixando o custo da dívida.

Como você faz isso? Emite dívida pública bruta, aumenta portanto a dívida pública, transfere esse recurso para o BNDES e diz para o BNDES emprestar a uma taxa .

Digamos que você subsidiasse 90%, 80% ou 70% com esse recurso. Você olha para isso e diz que foi o setor privado que fez. Não! Foi um aumento de dívida pública bruta que fez. Isso não aparece na dívida pública líquida porque você define o ativo que você tem contra o BNDES como sendo um ativo líquido. Coisa que não é verdade porque, ainda que esse empresário seja totalmente solvente e nos próximos 30 anos pague essa dívida, ele vai pagar em 30 anos. Isso é diferente de você ter dinheiro em caixa, como as reservas internacionais, as quais, se você vender, quita a dívida na mesma hora.

No entanto, ele faz isso. E estamos assistindo a um expansionismo fiscal maior do que o que está lá no superavit primário. Ou seja, quando você vê o prêmio de risco do Brasil subir acima dos "peers" [colegas, em inglês, países do mesmo grupo], ou seja, acima do México, do Peru, da Colômbia, dos países do Leste Europeu, isso está refletindo o desajuste fiscal.

Esse é um risco que já está no mercado financeiro e no indivíduo que está fazendo investimento em capital fixo. Isso explica um pouco porque aumentou o risco em investimento.
Esse tipo de intervencionismo excessivo leva a desajustes.

O senhor vê uma reavaliação dessa política atualmente pelo governo?

Quando as coisas dão errado, há dois tipos de postura: ou você recua e muda, ou dobra a aposta.

Depende do grau de compreensão do problema ou do grau de vedação ideológica do indivíduo que está recebendo essa informação.

O sujeito pode estar recebendo essa informação e reagir dizendo "não, mas no livro em que aprendi, aquele do nacional-desenvolvimentismo, isso tem de estar certo, é preciso ir até o fim". Isso seria dobrar a aposta.

A outra opção seria ir fazendo ajustes pequenos aqui e ali sem mudar fundamentalmente o curso. Quer dizer, a inflação está subindo, deixa o Banco Central subir mais 0,25 ponto percentual na taxa. O preço da gasolina está x% defasado ao câmbio de R$ 2,30, dá reajuste de x% sobre três, corrige um pouquinho.

Na medida que você corrige só um pouquinho e vai empurrando com a barriga, você não tira o desajuste, mas também não obtém o resultado. Você é condenado a ter uma inflação que fica lá no 6%, 6% e pouco, um deficit em conta corrente que fica lá em 3%, 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e um crescimento de PIB de 2%, 2,5%.

Você tem um resultado medíocre e vai levando para ver até onde chega. Acho que essa é outra hipótese.


Estamos condenados com essa política econômica a voltar a um patamar de crescimento baixo de 3%, com uma inflação girando em torno de 6%?

Não há nada de fatal no crescimento brasileiro. O Brasil não está "condenado", porque cometeu algum pecado, a ter que crescer sempre a 2%, 2,5%.

O Brasil também não pode crescer 6%, não há hoje mão de obra suficiente. Há uma vedação demográfica aqui dentro. A população economicamente ativa está crescendo a 1,5% ao ano, não é mais aqueles 3% que crescia no passado.

De 2002 para cá, a taxa de participação foi crescendo, a taxa de ocupação foi crescendo. Você tinha gente voluntariamente fora do mercado de trabalho e, durante algum tempo, esse pessoal reentrou na força de trabalho. A taxa de ocupação subiu, a taxa de desemprego caiu.

Só que agora está muito mais estreito. Há um estoque de gente voluntariamente fora do mercado de trabalho muito menor.

Quer dizer, em termos concretos, caiu na margem a contribuição do crescimento populacional para a expansão da economia.

O segundo ponto é a tal da produtividade total dos fatores. A contribuição da produtividade total dos fatores no Brasil vem diminuindo, diminuindo. Ela engloba tudo, capital, mão de obra. Se você tem mais educação, mais tecnologia e aloca melhor os fatores -por exemplo, se põe o trabalhador qualificado para o trabalho A trabalhando no trabalho A e não no trabalho B-, isso aumenta a produtividade total dos fatores.

A literatura econômica tem mostrado que a produtividade total dos fatores é o que mais contribui para o crescimento, não?

Grande parte do crescimento vem da produtividade total dos fatores. Os países que crescem para valer crescem em cima disso, muito mais do que em cima de acumulação de capital, embora você precise também de acumulação de capital.

O Brasil, durante o início do governo militar, teve um conjunto de reformas, mudou o sistema tributário. Havia vários defeitos que eles, parcialmente, corrigiram lá atrás, o que gerou um período de alta elevação de produtividade total dos fatores nos anos subsequentes, o chamado "milagre econômico".

Há trabalhos empíricos feitos que mostram que o milagre foi devido em grande parte a esse conjunto de reformas.

Depois, houve um segundo ciclo de reformas, que está muito mais difuso, começou com a abertura da economia no governo Collor. Depois veio o ciclo de reforma monetária do governo FHC, que trouxe a estabilidade de preços. Depois veio a Lei de Responsabilidade Fiscal, e novo período de reformas até o primeiro mandato do Lula.

No primeiro mandato do Lula, por exemplo, houve as reformas no sistema habitacional, que permitiram todo o crescimento do setor de construção civil e de crédito habitacional.

Quando você passou a ter crédito e estabilidade macroeconômica, fluxos de capitais começaram a entrar no país. Os fluxos de capitais permitiram os IPOs, que tiraram da informalidade as companhias construtoras, que investiram em governança corporativa, melhoraram a eficiência, ficaram mais produtivas.

Esses são exemplos de reformas que realmente aumentaram a eficiência, aumentaram a produtividade.

Esse período de reformas não foi concentrado no período de um governo só, pegou vários, e gerou um crescimento por um tempo.

Mas o impulso dessas reformas está morrendo, porque nós estamos virando isso de cabeça para baixo. Em vez de acentuar a ida para a eficiência, estamos acentuando a ida para ineficiência.

Esse fator de produção que é absolutamente fundamental como fonte de crescimento econômico, nós estamos perdendo essa fonte.

Um dos argumentos do governo é justamente que as licitações vão dar esse ganho de produtividade porque vão melhorar a infraestrutura do país, baixar o custo.

Eu não tenho dúvidas de que a infraestrutura é absolutamente fundamental para gerar tudo isso. Também não consigo entender por que já se passaram tantos anos até que isso ocorra.

O Brasil precisa de estrada, precisa de ferrovia, precisa de porto, precisa de aeroporto, precisa de melhor logística. Não tenho nada contras as licitações. Agora deixe-me falar um pouco sobre a forma como estão sendo conduzidas: o governo não tem dinheiro, então chama o setor privado para fazer. Mas ele diz "você tem que dar um passo aqui, outro passo para cá, você não pode sair desse círculo". Para elevar a TIR, o BNDES alavanca com 80%, 90% de financiamento, baixa o custo de capital. Mas isso vira aumento de dívida pública.

Em 2008, essa transferência para o BNDES como dívida bruta era menos do que 1% do PIB, transferia, voltava etc. Isso está crescendo e chegou a 10% do PIB.

Esses 10% do PIB deixam a dívida bruta em 60% do PIB, e a dívida líquida está aqui em 35% do PIB.

Para chegar na dívida líquida você deduz da dívida bruta ativos líquidos, como reservas, depósitos do Tesouro no sistema bancário, depósitos do FGTS também. Agora, dinheiro que você emprestou por 10 anos, 15 anos não é mais líquido. E tem um subsídio aqui dentro, além de você estar aumentando a dívida bruta para fazer o gasto.

À medida que ele fez a licitação desse jeito, se ele financiar tudo isso, um pedaço disso é expansão fiscal. No fundo, ele não chamou o setor privado para o setor privado aumentar o estoque de capital. Ele está chamando o setor privado com limitações, com financiamento e uma taxa subsidiada.

Se o BNDES quer dar um incentivo para um cara que é produtivo, ótimo. Mas não precisava pôr o BNDES para financiar a infraestrutura se você aceitasse uma TIR um pouco mais alta.

Aqui entra a filosofia do processo. Você diz o seguinte: "Eu tenho que ficar com o pedágio baixo porque o cara que usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Ele vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Então, eu baixo a TIR, baixo o pedágio, dou dinheiro para o BNDES, aumento a dívida bruta. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira, mas o meu eleitor está defendido".

A forma como está sendo feita não é a forma correta. Desculpe, é correta para quem tem o objetivo político de ficar no poder, de se eleger e de usar esse tipo de instrumento para ficar no poder. Mas não é a forma correta do ponto de vista econômico
.
Então o papel do BNDES na sua visão está desvirtuado?

O BNDES não precisava ir ao extremo que está indo.

O sr. se lembra de algum outro momento da história do país em que o BNDES tivesse sido usado...

Isso aí? Mas nunca!

E a política de escolher algumas empresas específicas para investir, como o BNDES tem feito?

Um grande amigo meu empresário diz o seguinte: o empresário tem de ser escolhido pelo mercado e não pelo governo.

O que o preço da ação reflete? A expectativa de lucro da empresa. Se a empresa é eficiente, tem uma expectativa de lucro alta. Se for ineficiente, está fora do jogo.

Agora chega o BNDES e diz "eu gostei do sorriso desse, esse cara é promissor, vai em frente". Se o empresário falha num projeto, o equity [capital social, resultado do preço das ações] vira pó. Você acabou de assistir um caso agora. Se tivesse o governo por trás, tinha um "bailing out" ali ["bailout" é uma injeção de recursos pelo governo em uma empresa falida ou prestes a falir, para permitir que ela honre compromissos de curto prazo].

Na sua opinião, esse tipo de medida é fruto de um projeto político ou se baseia realmente na crença de que é um modelo que pode levar ao desenvolvimento do país?

Acho que são as duas coisas. O Lula tinha o mesmo objetivo do que a Dilma. O PT tem um projeto de poder para muitas décadas, não é para um governo ou dois. O Lula abriu as portas desse projeto de poder. A Dilma continua no mesmo projeto.

Mas o Lula, quando viu o prêmio de risco do Brasil em 2.500 pontos [prêmio de risco é, em linhas gerais, quanto o governo tem que oferecer de juros acima da taxa dos Estados Unidos, para atrair investidores --2.500 pontos são o equivalente a 25 pontos percentuais], não teve dúvidas em pegar um banqueiro reputado [Henrique Meirelles] e colocar no Banco Central, em escolher um ministro da Fazenda que não levou nenhum economista do PT para trabalhar com ele.

O Antonio Palocci levou o Joaquim Levy [hoje diretor-superintendente da Bradesco Asset Management], o Marcos Lisboa [hoje vice-presidente do Insper], o Murilo Portugal [hoje presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)]. Pessoas com diferentes ideologias, alguns mais à esquerda, alguns mais à direita, com espírito público muito grande. Esse foi o critério de seleção.

O Palocci tinha uma característica básica: ele ouvia as pessoas. Ouvia as críticas e não as tomava pessoalmente. Era capaz de processar aquela informação.

Ele não era economista, mas você não precisa ser economista para perceber onde está o fato econômico.

O Palocci disse que tinha uma agenda de reformas microeconômicas. O Lula olhou para aquilo e disse: "Executa isso". O Lula tinha um negócio que se chama pragmatismo. É o sujeito que tinha um projeto de poder, mas não tinha vedação ideológica.

Agora compara o atual ministro da Fazenda com isso o que descrevi sobre o Palocci...

Mas foi o próprio Lula que escolheu o atual ministro da Fazenda...

É, sumiu o pragmatismo. Por quê? Eu não sou psicólogo (risos). Mas o fato concreto é que não tem mais pragmatismo no governo.

O projeto de poder continua, mas aquele negócio de usar a economia de mercado por conveniência do projeto político mudou. Agora você quer usar o social-desenvolvimentismo. Quer dizer, tem um componente ideológico agora muito maior do que o componente que tinha lá atrás.

Em quanto o sr. acha que esse cálculo político explica a política econômica mais voltada para setores e mais voltada para o BNDES como financiador?

É muito mais ideologia do que projeto político.

A jornalista Sylvia Nasar, no seu livro "Grand Pursuit: The Story of Economic Genius" ["A Imaginação Econômica - Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história", Cia. das Letras], mostra que um mesmo fato histórico pode ser lido de formas diferentes. Por exemplo, a Revolução Industrial. Marx [Karl Marx, 1818-1883] leu a Revolução Industrial e concluiu que o capitalismo era inviável. Marshall [Alfred Marshall, 1842-1924] leu a Revolução Industrial e concluiu que não, você remuneraria as pessoas na produtividade marginal e teria uma sociedade afluente. Charles Dickens (1812-1870) viu a Revolução Industrial e escreveu todos os romances que ele tem sobre a riqueza e a miséria que se gerou no período.

Cada um reage de um jeito. Os fabianos [movimento intelectual britânico do século 18, socialista e reformista] olharam para aquilo e tiveram outra reação. A Beatrice e o Sidney Webb, que depois fundaram a London School of Economics, e que têm um tipo de filosofia parecido com a do Delfim, que é um fabiano, e que num certo sentido está na cabeça da Dilma --esse nacional-desenvolvimentismo, o intervencionismo, que é uma visão fabiana-- e disseram "precisamos de um Estado com muito mais intervenção".

O mesmo fato histórico produz muitas reações.

E diria que é preciso ler muitas experiências históricas, mas quando se desce ao ponto de onde está o crescimento econômico, onde está o desenvolvimento econômico, os fabianos não tiveram muito sucesso nisso. Tiveram sucesso na distribuição de renda, isso é outra história. Os marxistas não tiveram muito sucesso no desenvolvimento econômico. A União Soviética desapareceu, foi para um sistema de mercado. A China está indo para um sistema de mercado.

O excesso de intervencionismo, esse nacional-desenvolvimentismo ainda existe, está na cabeça do Brizola [Leonel Brizola, 1922-2008] 1812 - 9 de Junho de 1870), lá atrás, por isso está na cabeça da Dilma, por isso está na cabeça do Arno Augustin [secretário do Tesouro], esse povo que no fim absorveu aquilo.

Essas coisas são ciclos. Vai-se para um extremo e depois se volta para outro extremo, passando por um lugar intermediário. Estamos passando por um ciclo.

Essa política intervencionista não deixa as empresas mais dependentes da negociação com o governo?

Minha crítica a isso não é a empresa ficar mais dependente ou menos dependente, mas promover o "rent seeker". Isso é uma coisa séria. Não é "o que" você conhece, é "quem" você conhece que determina se o empresário vai ou não vai. Há exceções, há um monte de empresários que, no fundo, não precisam disso, não dependem de crédito do governo.

Mas, na escolha deles, é puramente pessoal, não é um sistema em que o cara passou no teste do mercado.


Que tipo de modelo o senhor acha que seria o ideal para o país crescer de uma forma sustentável, que dê conta do ritmo de crescimento da população e aumente o nível de renda do país? O papel da indústria está superestimado?

A indústria tem um papel muito importante. Mas há uma ideia de que o setor de serviços é "junk". Não é bem assim. O Marcos Lisboa e o Samuel Pessoa têm começado a brincar com estudos de casos no setor de serviços e têm achado crescimentos de produtividade muito grandes.

O setor de serviços ganha muita eficiência, não é só a indústria que tem ganho de produtividade. Na indústria, esse ganho é visível, no serviço não, porque o ganho é no cérebro das pessoas.

O Brasil tem uma dimensão de mercado enorme, tem toda condição de ter uma indústria mais eficiente, mais produtiva. Não acho que o Brasil está condenado a se desindustrializar. Acho isso um erro, mas não é só a indústria que gera ganho de produtividade. Temos que olhar para os dois setores.

As concessões devem pelo menos reduzir o custo da agricultura e da indústria que usam mais a logística, mas vão afetar pouco a produtividade do setor de serviços. Para isso, além de tecnologia e processos, seriam necessárias reformas?

A reforma tributária, a reforma de impostos. Tem de repensar esse sistema. O imposto está sendo usado como moeda de troca. Eu tiro um pouco o imposto para reduzir seu custo.

Mas você está tributando o trabalho no setor de serviços, e o setor de serviços não tem lobby. 

Não tem um sujeito que vai lá pra Brasília ficar com o ministro, dá entrevista dizendo "Olha, estamos nos desservicializando". Quem não tem isso não leva. Minha mãe, velha mineira, já dizia: "Quem não chora não mama". Se os caras choram pouco, não vão mamar nada.

Dá para dizer que alguma reforma é mais urgente?

O sistema tributário é muito ruim, a legislação trabalhista é muito ruim. Tem que fazer o que der. Só que o Brasil é uma federação e você teria redefinir o pacto federativo. E redefinir o pacto federativo não é bolinho.

Há reformas como a tributária que acho que um dia talvez aconteçam, mas não acredito que será tão cedo.

O caminho ideal seria então avançar por meio de reformas pequenas, mais microeconômicas?

O que ocorreu no Fernando Henrique e no Lula 1 é um caminho. Mas nós estamos recriando o protecionismo. Precisamos voltar atrás nisso.

Pelos seus cálculos qual é o crescimento potencial do Brasil?

Agora, entre 2% e 2,5%. Mas ele pode subir se você fizer as coisas corretas. Isso não é uma constante da natureza, que é imutável. Depende das políticas que você segue. Se você seguir políticas melhores, ele sobe.

E qual o cenário que vocês têm para 2014?

Isso é ciclo político. Está para nascer o candidato que não aumenta gasto público em um ano de eleição. Acho que o superavit primário [economia do governo para pagar juros da dívida] vai para baixo. 

Acho que essas transferências para o BNDES e para a Caixa continuam. Acho que a inflação fica alta, vai sacrificar a Petrobras, vai sacrificar a energia elétrica para não repassar tudo para o preço. Há uma pressão que está aumentando sobre o câmbio. Estamos intervindo um caminhão no mercado de câmbio e ainda assim ele está em R$ 2,30. 

O Banco Central está vendendo muito, algum sucesso ele tem. Mas isso mostra a força que tem para depreciar.

Essa depreciação é mais ligada ao cenário externo, à expectativa de início da retirada de estímulo monetário nos EUA, ou ao cenário doméstico?

Costumo exemplificar com cinco países: Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil. O que esses cinco países têm em comum? Uns mais, outros menos, todos eles estão seguindo desde a crise financeira de 2008 políticas fiscais extremamente expansionistas e um grande grau de acomodação monetária.

Quando eu abro meu livro de economia no capítulo primeiro, ele me diz o seguinte: países que fazem isso colhem dois resultados --deficits na conta corrente maior e inflação maior.

O problema não o fim do estímulo dos EUA, mas que a economia americana está começando a crescer mais. Os riscos nos EUA estão caindo e os retornos sobre investimentos estão subindo. Então, o capital está fluindo de volta para os EUA.

Enquanto ele não fluía para os Estados Unidos, vinha para os emergentes, que tinham melhor performance que os EUA. Dava para financiar um deficit maior na conta corrente.

Mas, quando ele começa a refluir para os Estados Unidos, o deficit na conta corrente fica grande relativamente ao ingresso de capitais necessário. Aí o câmbio deprecia.

Todos os cinco países que eu citei estão depreciando o câmbio. Todos eles estão com déficit na conta corrente grande. Todos eles seguiram políticas fiscais muito expansionistas, todos eles seguiram um grande grau de acomodação monetária.

A demanda por ativos desses países, que é o que no fundo comanda a taxa de câmbio, está se retraindo um pouco. Como sei isso? Olho para os prêmios de risco do país. Todos eles estão com os prêmios de risco subindo um pouco mais do que os dos outros. Quando isso acontece, o câmbio deprecia mais do que o dos outros.

Ou seja, há um componente da depreciação cambial que é externa e outro ligado à política econômica doméstica.

Há algum risco de balanço de pagamentos?

Não. Vejo pressão para depreciar o real e não crise no balanço de pagamentos.

E, nesse cenário, faz sentido o Banco Central falar em condições para a neutralidade da política fiscal e, portanto, menor necessidade de subir os juros?

Acho isso um negócio completamente sem pé nem cabeça.

E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015?

Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.

Há algum outro ponto com o qual o sr. esteja pessoalmente preocupado no momento?

Estou preocupado com o São Paulo Futebol Clube (risos).

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