Para Antonio Anastasia, há
concentração exagerada de poderes na esfera da União.
Governador de um dos estados mais ricos do país, o tucano Antonio Anastasia lidera movimento para que o Executivo federal envie ao Congresso e apóie a discussão e aprovação de novo pacto federativo.
O objetivo é acabar com o desequilíbrio entre União,
estados e municípios tanto em relação à repartição de recursos quanto à
devolução da autonomia dos entes federados para legislar sobre assuntos
próprios de estados e municípios.
Anastasia diz que, por ser uma federação
relativamente jovem, não há na consciência brasileira o espírito de
colaboração, cooperação e solidariedade da União para com estados e municípios,
e nem mesmo entre os dois últimos. Reclama dos cortes impostos pela política de
desoneração do governo federal, alegando que está arrebentando as receitas de
estados e municípios sem compensações, enquanto governadores e prefeitos
continuam com obrigação de oferecer os serviços à sociedade.
— Não existe máquina de fazer dinheiro e com a crise
as receitas não crescem — disse Anastasia, em entrevista por telefone ao GLOBO,
reforçando que é urgente que o Congresso aprove novo pacto que devolva
competências aos estados: — Do contrário, melhor que se institua de vez a
República unitária, com o imperador nomeando governadores.
A partir de quando começou a se agravar o
desequilíbrio nas relações de obrigação da União com estados e municípios?
Vou ter que recuar um pouco no tempo. A Federação
brasileira é relativamente jovem, surgiu em 1891. Até 1930 nós tivemos uma
Federação bastante equilibrada, com divisão nítida de competências entre o
governo central e os estados federados. A revolução de 30 centralizou muito no
governo central, na ditadura de Vargas. Depois, na Constituição de 1946, foram
devolvidas aos estados as competências, mas no regime militar tivemos
centralização novamente. E a Constituição de 1988 não conseguiu devolver aos
estados as competências que tinham anteriormente. Primeiro, por haver
concentração tributária muito forte a favor da União, através da figura das
contribuições (tributos), hoje a principal fonte de arrecadação, e que não são
compartilhadas com estados e municípios.
Em 1988, houve aumento das atribuições para estados e
municípios, sem as respectivas fontes de financiamento...
Exatamente. De lá para cá, e isso não é questão de um
governo ou de um partido, estamos assistindo gradativamente, desde os anos 60, a uma concentração
exagerada de poder na esfera do governo federal. Isso, para um país que é uma
federação, é uma distorção. Um país do tamanho do Brasil tem peculiaridades
próprias de cada região. É claro que a realidade em Minas Gerais é uma;
no Piauí é outra, e no Rio Grande do Sul uma terceira. Temos que ter autonomia
para lidar com nossas diferenças. A autonomia pressupõe razoáveis receitas e
também possibilidade de auto-organização.
Isso é imposição do Executivo ou também do
Legislativo, pressionado a aprovar medidas sugeridas pelo governo federal?
De todas as áreas. Tanto do Executivo quanto do
Legislativo. Nós temos hoje uma tendência de padronização no Brasil. O próprio
Congresso, por iniciativa do Executivo, tem tomado medidas de legislação que
pretendem colocar todos os estados na mesma condição. Isso não é possível. No
momento que o Congresso quer legislar sobre salários de servidores estaduais
(professores, por exemplo), sem entrar no mérito, no genérico, é muito grave!
Desconhece a realidade dos estados e atenta contra a autonomia, porque
interfere no orçamento dos estados.
O senhor sente no governo do PT aumento dessa invasão
da União nas competências dos estados?
Esse é um sentimento de muitos anos. Com o passar dos
anos esse costume vai se aprofundando, aumentando sua ação. É um movimento que
vem se aprofundando. Mas não é questão partidária. Queremos ser uma federação?
Se não queremos, então vamos ser uma República unitária. É uma decisão que tem
que ser tomada em Constituinte e então seremos um regime único: o presidente
nomeia os governadores como na época do Império. A idéia da Federação pressupõe
solidariedade, integração, cooperação, harmonia. Isso é o que está faltando no
Brasil. Não é hoje. Já há algumas décadas se sente esse esgarçar do tecido
federativo.
Essa situação fortalece politicamente o governo
federal, no caso a presidente?
É claro! Não resta dúvida! Independentemente de
partidos, há um fortalecimento nas últimas décadas do poder central em
detrimento de estados e municípios. Isso é visível! O que não acontece nas
outras federações mundo afora. Esse quadro não se vê nos Estados Unidos,
Canadá, Austrália, onde os estados têm uma condição diferenciada de autonomia e
auto-organização.
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