Popular até para os mortos
TCU descobre fraudes no programa Aqui Tem Farmácia Popular; desvio é de R$ 1,7 milhão
A descoberta foi possível após o cruzamento dos CPFs dos supostos clientes com o Sistema de Óbitos (Sisobi) do Ministério da Previdência. Muitos constam do cadastro há mais de dez anos, mas continuam oficialmente vivos para sangrar o erário. O relatório cita diversos outros indícios de golpe e expõe a vulnerabilidade do sistema.
O Aqui Tem Farmácia Popular é um dos braços do Programa Farmácia Popular, que, nos últimos quatro anos, consumiu R$ 1,4 bilhão dos cofres públicos. Por ele, o cidadão apresenta receita médica e documentos pessoais em farmácias privadas, tendo acesso a medicamentos subsidiados. A partir dos dados do Sistema Autorizador de Vendas, usado pelo ministério, os auditores apuraram excesso de prescrições feitas por um único médico, o que também evidencia fraudes.
Entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2010, houve ao menos 9,5 mil ocorrências de concentração de receitas em farmácias. O TCU checou apenas os estabelecimentos com mais de cem vendas mensais, nos quais, tendo ocorrido dez transações no intervalo de uma hora, mais da metade tenha sido com receitas de um médico. Em 4,5 mil ocorrências (48% do total), tudo o que foi negociado na hora analisada partiu do receituário de um só profissional; em 101 casos, todo o volume do dia foi receitado pelo mesmo médico.
Apenas três funcionários fiscalizam as vendas
A quantidade de vendas do programa às vezes cai drasticamente na mesma farmácia, embora seus medicamentos sejam para o tratamento de doenças crônicas. As variações foram consideradas suspeitas, já que, em curtos intervalos de tempo, não haveria motivo para os pacientes mudarem o padrão de consumo. Em janeiro de 2009, houve 1,6 milhão de autorizações de venda, contra 1 milhão em dezembro do mesmo ano. Cerca de cem mil pessoas descontinuaram suas supostas terapias, o que, para o TCU, merece apuração in loco para confirmar possíveis desvios.
Outro problema é o excesso de transações em algumas drogarias, com clientes que moram em municípios distantes ou estados diferentes.
Em meio ao quadro de irregularidades, o Ministério da Saúde não tem fiscalizado adequadamente os pontos de venda. A partir de 2009, após uma série de denúncias de golpes na imprensa, criou-se uma nova sistemática para apuração de desvios. Entre outras medidas, foi lançado um procedimento regular de seleção de estabelecimentos, que deveriam apresentar os documentos das vendas para checagem, numa espécie de malha fina.
Pelos critérios do Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF) do ministério, 1.106 empresas deveriam ter caído nessa malha entre abril de 2009 e janeiro de 2010, mas só 242 passaram de fato por ela. “Sobressai a absoluta ausência de aplicação de multa ou de ressarcimento de dano ao erário”, informam os auditores.
Um dos problemas é falta de pessoal. Há só três funcionários para analisar documentação de vendas. Mesmo assim, dois acumulam outras funções. Compete a cada um analisar 7,6 mil autorizações por mês. O TCU alerta que, quanto mais o programa cresce, maiores as chances de fraude e a sensação de que a fiscalização não alcança a rede associada.
O tribunal questiona os valores pagos pelo ministério por medicamentos subsidiados. Os preços de referência do Aqui Tem Farmácia Popular são até 2.500% mais altos que os praticados em licitações públicas de secretarias municipais e estaduais país afora. É o caso do Captopril 25 mg, que tem preço unitário de R$ 0,27 no programa, mas, quando comprado pelas redes públicas, com dinheiro federal, sai em média a R$ 0,01.
Para os auditores, é natural que os os valores no varejo sejam mais altos, pois compram-se menores quantidades e é preciso remunerar o lucro das drogarias, entre outros fatores. Mas as disparidades são enormes.
- Quando o ministério compra, paga barato. Quando subsidia, paga caro. Se desse (tudo) de graça, pagaria menos. Não sei qual é a lógica disso, mas é assim que está acontecendo – afirmou o relator do caso do TCU, ministro José Jorge, pouco antes da apreciação do caso em plenário, na quarta-feira.
O acórdão aprovado recomenda que a expansão do programa seja condicionada à elaboração de estudos sobre custo, efetividade, abrangência e melhoria dos processos de fiscalização.
Fonte: Fábio Fabrini – O Globo
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